Catulino de Melo Alves era aposentado - e bem - da Coletoria Federal. Proventos que dariam para encher até a boca um balde de pedreiro a cada dia 5 do mês subsequente ao vencido. Só de terreno esparramado pela cidade tinha para mais de 15, tudo amurado, papelada nos conformes. Mas como a felicidade nunca tapa o corpo por inteiro, precisava passar o último brilho de Parquetina nessa riqueza sem fim e conseguir uma mulher nova que pudesse chamar de patroa e, quem sabe, lhe dar um bacuri temporão. Viúvo de largo trânsito em bordéis e estabelecimentos análogos, de uns tempos para cá contraiu rabugem dos ambientes fumacentos e de precária luminosidade, e o que mais queria agora era engatar o cabo do velocímetro já perto dos cem mil em rodado de mocinha com quilometragem de seminovo.
Ao encontrar o vereador Filomeno Aires Peçanha em frente à Tabacaria Caporal, foi tratando de dar a notícia da deliberação tomada, recém saída do forno, enquanto o nobre edil fechava um palheiro com figueirilha:
- Fifi, meu bom Fifi, te participo, em tom confidencioso, que desde a entrada do verão sou homem banhado, rebanhado e, quiçá, inundado no açude do contentamento. Sabe a Ambrosina, filha do velho Celidônio Menezes, aquela cabeludinha reforçada de peito e recavém? Pois quer porque quer meter o meu Melo Alves na rabadilha do seu sobrenome. Me disse, na varanda da orelha, em processo adiantado de cafuné, que homem do calibre do teu amigo aqui só aparece de três em três Copas do Mundo. Duas é pouco. Mimo desse porte merece casamento de ocupar toda a coluna social do "Diário" e ainda faltar bobina de papel pra citar a escalação da convidagem comparecente, já adiantando que te quero como padrinho nas soberbas do altar. Por falar nisso, o que tu me diz da penitentezinha, doravante tua afilhada?
Filomeno trafegou o lenço de seda desbotado pela testa, puxou um catarro enlutado de nicotina lá do dedão do pé e foi dando parecer montado na reticência dos pormenores:
- Mas óia, hômi véio, se eu fosse tu, dava o dito pelo não dito e fastrava que nem boi manso ressabiado da canga. O passado libertinoso da Ambrosina é carregamento tão pesado que caminhão Mercedinho cara-chata patina, patina e não sai do lugar. Vai precisá de um Volvo bitrem trucado. E te digo mais: enquanto tu guarda o corpo com as galinha, logo que termina a novela, a tua noiva agarrou o hábito de uma passadinha sem compromisso na casa do Maneco Novais, um ex-namorado que, pelo visto, ainda tira lasca graúda daquela madeira de lei. E tu, com essa cara de tanso, nem desconfia que ela tá te botando cada aspa que dá pra laçá no Rodeio do Minuano.
A resposta veio de bate-pronto:
- Só acredito vendo. Como não vi, não acredito. Além do que a Ambrosina, quando fala, parece que Nossa Senhora proseia no lugar dela.
Filomeno, ao notar que o propósito de abrir os olhos do Catulino estava batendo em tapera, partiu pro arremate:
- Se tu ainda não entendeu adonde eu quero chegá, vou direto na veia-artéria: a Ambrosina é uma baita duma furada!
Ao que Catulino cravou até o cabo o argumento final, depois de colocar no prumo a gravatinha borboleta furta-cor:
- Ué, mas e daí? Eu não quero ela pra carregar água!